2005/02/24

Jobs for the Boys


Xavier, recém nomeado presidente do Conselho de Administração de um hospital SA, após o jantar, regado com vinho Dão, rematado com um bojudo whisky 12 anos, concordou em jogar uma partidinha de snooker com a malta do Johnny Walker.
À saída ajeitou o nó da gravata, enquanto dava uma olhadela à camisa de seda. Parecia estar tudo em ordem. A mulher repreendia-o severamente sempre que chegava a casa com nódoas. Um gole azedo assomou-lhe à garganta.
Vieram-lhe à lembrança os tempos de tropa. Uma fase de aventuras e alguma generosidade. A campanha africana tornara-o mais cauteloso, desconfiado e, discretamente, ambicioso.
Depois do regresso a Portugal, recomeçara a vida como oficial administrativo da Caixa de Previdência. No concurso a chefe de secção valeu-lhe um tio materno, chefe de repartição, que mexeu os cordelinhos. Estudava á noite, quando não tinha reuniões no partido a que aderira logo no início da revolução.
A esposa, uma mulher de vontade inquebrantável com quem casara pouco depois de se terem conhecido num baile dos bombeiros voluntários da Trafaria, acreditava cegamente que o futuro lhes sorriria, ainda mais, depois de uma cartomante do Seixal lhe ter lido as cartas..
Na festa da licenciatura, além de familiares e amigos mais chegados, convidara o presidente da concelhia. Fizera a sua parte, cabia agora ao partido cumprir o restante. A falta de curriculum seria colmatada pela “confiança” de que era credor o militante.
Em breve, chegavam ao salão de jogos. Há anos que não pegava num taco. Não podia fazer má figura. Logo se veria, tentou tranquilizar-se. Desde a sua nomeação com salário acima dos 7.500 euros mensais, prémios, carro, gasolina e telemóvel, tudo lhe corria pelo melhor.
A malta do Walker galhofava excitada. Afinal, o presidente, o Xavier, era apenas um homem que gostava das coisas simples da vida.
As bolas começaram a rolar. A cada tacada redobravam as bocas e crescia o entusiasmo próprio destes grandes momentos. O jogo desenrolava-se descontraídamente, noite dentro, alheio às pressões das pontuações.
Súbito, ouviu-se Xavier praguejar. Raios, o parceiro deixara-o snooker.
Refeito da surpresa, lentamente inclinou-se sobre a direita, taco atrás das costas sobre a camisa suada, olho esquerdo semi cerrado tentando adivinhar a melhor trajectória. Finalmente estacou.
Os habituais frequentadores, adivinhando o grande momento, aproximaram-se, em silêncio, cerrando círculo .
Xavier respirou fundo. Concentrado fez deslizar o taco pelo gancho do indicador e com firmeza desferiu a tacada.
A bola branca saiu girando suavemente sobre o pano morno até ao toque seco na tabela do fundo, ricocheteando girando para a tabela esquerda, depois a direita, até ao toque proporcionado na bola vermelha.
Fantástica jogada de antologia!
Como que impulsionados por uma mola a assistência desatou entusiasmada aos abraços e palmadas no Xavier.
Diz quem viu, que não houve, até hoje, noite de tamanha glória. Melhor só a noite da eleição do José Manuel Durão Barroso o grande artífice do sonho português.