2004/09/03

XavierSA, interrompe as férias.


1. - Férias, SA
XavierSA, encarrapitado num banco do bar contíguo à piscina, bebericava o seu primeiro Jonnhy Walker de mais um dia de férias no Algarve.
Sobressaltou-se com o toque do telemóvel.
Com as mãos trémulas procurou entre a desarrumação da sua inseparável “pochette”.
Empalideceu ao identificar no visor a origem da chamada.
- Está? Estou a ouvir mal!
- O quê? Uma reunião urgente do Conselho de Administração amanhã por causa da ventilação?
- Que raio, interrompem-me as férias por causa da ventilação! Abram as janelas. Comprem ventoinhas. Instalem ar condicionado.
- Quando chegar aí, essa cuspideira vai-me ouvir das boas.
Com um gesto brusco desligou o telemóvel. Emborcou dum gole o que restava no copo e apeando-se do banco dirigiu-se apressado para o outro extremo da piscina onde Arlete, besuntada de óleo de coco, tisnava ao sol.

2. – O Processo de Tomada de Decisão, SA:
A reunião do Conselho de Administração estava prestes a iniciar-se.
XavierSA, após duas horas de viagem a “abrir”, sentara-se no seu lugar habitual da sala de reuniões a dar uma vista de olhos apressada pela documentação que a sua secretária, entretanto, lhe trouxera.
Faltava a cadeira da administradora. Todos esperavam em silêncio.
Finalmente, a secretária da administração apareceu com a famigerada cadeira. De mogno polido com uns entalhes arabescos e um assento forrado com um tecido espampanante, parecia um objecto recuperado da sala de jantar do conde de Odivelas.
Acomodadas as partes doridas, a administradora executiva preparava-se para dar início à reunião agendada no dia anterior. O problema a tratar dizia respeito a uma queixa do Director da UCI sobre a ruptura do equipamento de ventilação da Unidade que obrigava a encaminhar doentes do hospital para outras unidades. A empresa responsável pela assistência técnica era de parecer que dois dos ventiladores deveriam ser abatidos dado os largos anos de utilização e o custo elevado da reparação. A substituição do equipamento significava um investimento de cerca de 20 000 Euros, valor não previsto no orçamento do hospital.
- Meus senhores, a minha proposta é de que deve proceder-se à reparação do equipamento, seleccionando para o efeito outra empresa. Faz-se um ajuste directo e pronto.
Com voz trémula XavierSA, atalhou:
- Na minha opinião devemos apresentar este problema à Unidade de Missão. Talvez eles nos disponibilizem financiamento especial de molde a não prejudicar a execução orçamental e a nossa posição no ranking dos SA.
- Isso das contas é com vocês. Arranjem-se como puderem. Desenrasquem-se. O que eu não posso permitir é que os meus doentes estejam a ser desviados para outros hospitais por causa da merda do equipamento. Tenho os meus médicos a pressionar-me.
Berrou do seu canto o Director Clínico.
- Eu acho que o Senhor Director tem toda a razão. Tem toda a razão.
Tentou sossegá-lo a enfermeira directora.
- O Senhor Director, cortou o cabelo?
- Ah, fica-lhe muito bem.
- O Senhor Director tem toda a razão. Eu acho que, o Senhor Director tem sempre toda a razão.
Prosseguiu delambida a enfermeira directora.
- Faz-se um ajuste directo.
Interrompeu, esganiçada, a administradora executiva.
- Qual ajuste! Pede-se ajuda à Unidade de Missão e pronto.
Atalhou o XavierSA.
- E os doentes. E os doentes !
Vociferou, colérico , o director clínico.
- Tem toda a razão, Senhor Director. Tem toda a razão!
Continuou a enfermeira, preocupada com o seu director.
Todos ao mesmo tempo:
- Faz-se um ajuste directo!
- Pede-se ajuda à Unidade de Missão !
- E os Doentes! E os Doentes ! ! !
- Tem toda a razão, Senhor Director! Toda a razão!
3. - A sessão de trabalho foi interrompida para o almoço.
Talvez a tomada de decisão se torne mais fácil com as barrigas aconchegadas.
E, os doentes podem esperar.