2004/09/09

Sessão da Tarde


A pouco e pouco os elementos do CA regressavam do almoço.
Juntou-se-lhes o quinto elemento, administrador não executivo, que não pudera estar presente na sessão da manhã.
Na sala de reuniões, a equipa do Conselho de Administração aguardava em silêncio olhando de soslaio para a cadeira flamejante.
Finalmente, apareceu a administradora.
Entrou na sala sem dirigir palavra, ar lunático, enrolando as farripas do cabelo desgrenhado entre os dedos, a arrastar os saltos altos em direcção à cadeira expectante, sentando-se cuidadosamente.
O administrador recém chegado reabriu a sessão. Tinha uma proposta para apresentar: a realização de um “out sourcing” para a concessão dos Cuidados Intensivos.
- Meus caros colegas, para a execução deste objectivo, o primeiro passo a dar é a elaboração do Caderno de Encargos. O gabinete de um amigo que muito prezo, técnico competente, poderá, rapidamente, elaborar o referido documento. O passo seguinte será o desenvolvimento do procedimento de adjudicação mediante a consulta às empresas que eu tenho aqui listadas. Para a apreciação das propostas conheço um outro gabinete que nos poderá fazer o serviço por tuta e meia.
- A concessão da UCI a uma entidade externa é legal ?
Quis saber o Director Clínico.
- Como o senhor Director sabe, este hospital é uma Sociedade Anónima! No âmbito do código destas sociedades a realização de um contrato deste tipo é perfeitamente legal. Por outro lado, cabe aos administradores SA criar novas formas de gestão. Combater o monopólio do Estado na gestão da saúde através do estabelecimento de parcerias com o sector privado. Só assim nos safamos. Quer dizer, só assim estaremos a contribuir para a privatização da Saúde.
- E a qualidade ? Atalhou, hesitante, o XavierSA.
- A qualidade, a qualidade é a que estiver prevista no Caderno de Encargos. Os médicos e os enfermeiros do concessionário são tão competentes como os outros. Todos têm carteira profissional. Além disso, estas empresas utilizam pessoal auxiliar em muitas das tarefas, habitualmente, desempenhadas por médicos e enfermeiros o que nos permitirá baixar, substancialmente, os custos.
Continuou entusiasmado o administrador proponente.
Após a colocação de mais algumas questões, prontamente esclarecidas, o Conselho de Administração dava-se por convencido face aos argumentos brilhantemente expostos pelo administrador não executivo, votando unânime na sua proposta.
Parecia ter sido encontrada uma solução para o embriólogo. Uma solução inovadora, aliás. Depois do intenso partir de pedra da sessão da manhã, o processo acabara por parir a decisão ajustada.
Pensou XavierSa com os botões.
Mais conformado que satisfeito, XavierSA registou as últimas notas necessárias para a elaboração da acta da reunião: Concessão da Unidade de Cuidados Intensivos a uma entidade externa (equipamento e pessoal). Custos? Estudo prévio e alternativas? (que se lixe). O administrador não executivo ficou responsável pelo condução do projecto.
Na folha, junto aos apontamentos, XavierSA desenhara durante a reunião inúmeros arabescos indecifráveis.
Pareciam novelos de cobras cuspideiras.