2004/08/06

Xavier, pagador de promessas

Novo episódio das Aventuras de XavierSA

I - Parte:
1. – Xavier, reconheçamos, tem passado por duras experiências desde a sua nomeação para administrador SA.
Primeiro, a euforia das remunerações principescas, o reconhecimento social e o novo BMW.
Seguiram-se, o mergulho na realidade hospitalar, a implementação das primeiras medidas de reorganização, a melhoria dos indicadores e a subida no Ranking dos hospitais.
A segunda fase, menos boa, coincidiu com uns pequenos devaneios da sua Arlete, embeiçada por um enfermeiro do bloco operatório.
Com o passar do tempo, as medidas implementadas deixaram de repercutir efeitos positivos nos resultados. A subida no Ranking estagnou. Os conflitos laborais agudizaram-se. Começaram a aparecer os primeiros sinais de fragilidade na equipa de gestão.
Foi uma fase de cepticismo que ajudou o Xavier a desenvolver o espírito crítico em relação ao projecto de Luís Filipe Pereira.
A autonomia dos hospitais SA era reduzida, pois a Unidade de Missão centralizava todas as decisões importantes. Os contratos programa eram meros exercícios formais para justificar o financiamento do estado. O prometido investimento, necessário à recuperação da estrutura do hospital, não fora distribuído. A gestão do pessoal por objectivos não avançava. Os critérios de avaliação utilizados na grelha do Ranking beneficiáva, claramente, os hospitais de construção mais recente. Enfim, a tão apregoada gestão empresarial não passava de um faz de conta, dum compasso de espera até a verdadeira privatização poder avançar.
2. - Ultimamente sentia que a liderança da equipa, a condução do processo de gestão do hospital lhe fugia.
A laboração da empresa hospitalar gira toda à volta da prestação de cuidados o que, dá, naturalmente, maior protagonismo aos médicos.
O Director Clínico, elemento não executivo do Conselho de Administração, homem de trato rude, perfil carregado e cinzentão, com fraca ou nenhuma formação de gestão, cacique local do partido no poder, tornara-se o verdadeiro líder, passando por ele todas as decisões da gestão do hospital.
A constatação desta situação magoava-o. Fazia, no entanto, todos os esforços para não mostrar ressentimento de forma a não suscitar contrariedades nos outros elementos do Conselho de Administração.
Mas o que lhe causava maior desgaste era a relacionamento com o gestor executivo, elemento de perfil complexo, conhecida no hospital pelo "petit nom" de cuspideira de saltos altos.
Padecendo de várias maleitas, sobretudo da alma, tinha grandes e súbitas alterações de humor que a levavam a travar esganiçadas discussões por ninharias que muito o melindravam.
2.ª - Parte:
Tendo tomado conhecimento que o Dr. Xavier estava de baixa, decidimos visitá-lo na sua casa de Azeitão.
Atendeu-nos ao portão uma moça que se identificou como governanta da Dr.ª Arlete.
Depois de a informarmos ao que vínhamos, fomos conduzidos a uma pequena sala, onde aguardámos, pacientemente, pelo Dr. Xavier.
Enquanto esperávamos, entretivémo-nos a fazer o inventário do aposento. Um sofá e dois cadeirões de cabedal preto. Três televisões de dimensões diferentes. Um aquário iluminado com peixes meia lua. Uma estante repleta de lombadas de coiro. Um quadro na parede com o retrato a óleo da D.Arlete sentada, as pernas generosamente cruzadas.
A entrada do Dr. Xavier de cadeira de rodas, colheu-nos de surpresa.
- Bom dia, meus caros amigos. A que devo a honra desta visita?
- Soubemos da sua baixa e viemos ver como está o senhor doutor.
- Estou a melhorar, mas tenho passado mal.
Vocês nem sabem os trabalhos em que me meti! Fui a pé a Fátima pagar uma promessa e dei cabo dos pés.
-A Drª Arlete ?
Perguntámos por cortesia
-A D. Arlete, não está. Últimamente, sai todos os dias no BMW do hospital. Ainda vou ter problemas por causa dela.
- Querem beber alguma coisa?
Perguntou o doutor Xavier, tentando mudar o rumo à conversa.
-Água, se faz favor.
O doutor Xavier arrastou a cadeira até ao móvel do canto da sala que servia de bar e pediu-nos que o ajudássemos a preparar um Johnny Walker, indicando-nos onde poderíamos tirar as nossas águas.
Depois de lhe termos expressado, mais uma vez, a nossa gratidão, uma vez que, fora o doutor Xavier a arranjar-nos emprego no hospital, numa função, razoavelmente remunerada, para a qual não tinhamos as habilitações necessárias, perguntámo-lhe:
-Doutor Xavier, mas que promessa o levou a ir a pé a Fátima?
-O que havia de ser? Então o raio do Sampaio não esteve prestes a entregar o ouro ao bandido. Foi por um triz. Se não fosse a minha promessa lá estaríamos, nesta altura, a gramar o comunista do Ferro Rodrigues.
-Mas, senhor doutor...
-Acreditem, que é como vos digo. A coligação é a única força política com vontade e capacidade para governar Portugal. Que aconteceria ao projecto da saúde se o Sampaio não tivesse nomeado o Santana Lopes? Como é evidente, iria tudo por água abaixo! Os hospitais SA, as Parcerias, o BMW da minha Arlete, quero dizer, o meu BMW, os vossos empregosinhos.
-Já telefonei ao nosso ministro a dar-lhe os parabéns. Agradeceu-me comovido dizendo-me que também ele receara muito pelo projecto da privatização dos hospitais. Acrescentou, que agora com a sua renomeação é que a reacção iria ver quem é o Luís Filipe Pereira. A criação da "holding" para os SA e as Parcerias com os Mellos para a construção e gestão dos novos hospitais inviabilizarão a reversibilidade do processo, aconteça o que acontecer.
- Isto cá para nós. De parceria com os Mellos, anda ele desde o princípio. Aquele grande malandro é que os leva a todos,ah, ah, ah!
Após várias horas de conversa sobre a situação política, o projecto de reforma da saúde e muitas idas ao bar, despedimo-nos desejando-lhe rápido restabelecimento.
À saída não pude deixar de lançar um último olhar ao retrato da Dr.ª Arlete.
No regresso a Lisboa vieram-me à lembrança as pernas esguias do quadro. Nada más.
Sacana do enfermeiro que andava a espatifar o BMW do hospital!