2004/05/10

SE NÂO HOUVESSE DOENTES, É QUE ERA BOM !

Camaradas gestores das SA ;

Hoje sinto-me profundamente triste e desanimado.
Logo pela manhã consultei, como de costume, o "tableau de bord" da minha SA.
Confirmei, com satisfação, que os indicadores de gestão continuam favoráveis, assegurando a continuidade da nossa subida no ranking dos hospitais.
Mas a minha alegria foi sol de pouca dura.
Eis senão quando, a técnica do serviço social entra, gabinete dentro, com um cesto a abarrotar de reclamações dos utentes, sobre a falta de qualidade dos cuidados prestados pelo meu hospital SA.
Que grande injustiça !
contratualizámos a prestação de "um atendimento mais atempado, célere e personalizado" para os clientes das companhias de seguros, criando para eles uma área autónoma, a "consulta de seguros", evitando assim, que sejam "atirados para as listas de espera",
Alterámos os circuitos de atendimento dando prioridade aos doentes dos sub-sistemas. Dar prioridade aos que pagam, parece-me justo. Não me venham com essa treta da selecção adversa.
Aumentámos as taxas moderadoras.
Concessionámos a prestação dos meios complementares de diagnóstico às privadas.
Adjudicámos o fornecimento de alimentação dos doentes às empresas de catering.
Aumentámos o número de doentes em lista de espera.
A propósito de listas de espera, tenho preparado, para publicação na imprensa diária, um anúncio com a seguinte informação: " Caros utentes, adiram ao cartão seguro doença da ... empresa .... , (holding da Melo Saúde, por exemplo), para poderem usufruír de prioridade de acesso aos cuidados da nossa SA".
Transferímos mais doentes para o programa especial (peclec), reduzindo a actividade cirúrgica de rotina.
Depois de tudo isto os doentes ainda reclamam !
Talvez tenha havido prejuízo da qualidade das prestações, atalhou a minha mulher quando desabafei com ela ao telefone.
A qualidade, a qualidade...
Pobres e mal agradecidos é o que eles são !
O problema está na organização da acessibilidade.
É necessário que o ministro reveja as regras da acessibilidade, através da criação de um pacote de cuidados mínimos para os utentes do SNS.
No futuro, tudo o que venham a necessitar, além do pacote de cuidados mínimos, terão de pagar. Ou pagam ou não há prestação de cuidados.
É também urgente transformar todos os hospitais do SNS em Sociedades Anónimas e avançar com a privatização do capital dos hospitais SA mais rentáveis.
Os administradores dos Conselhos de Administração dos hospitais SA, deverão ser recrutados, exclusivamente, entre os militantes do partido a exercer actividade no sector privado.
A reforma da saúde estará então, finalmente, no bom caminho.
Camaradas, esta reflexão já vai longa.
Peço que me desculpem algum desânimo que possa transparecer da minha análise.
Despeço-me, com um abraço do vosso, sempre ao dispor.
XAVIER.

NOTA do EDITOR:
Cumpre-me completar o quadro sobre o futuro do Serviço Nacional de Saúde, almejado pelo nosso impagável Xavier, zeloso administrador executivo de um hospital SA, verdadeiro guru da gestão hospitalar.
Portugal continuará a cumprir resignado e zelosamente os critérios de convergência.
Os ganhos em saúde serão nulos.
Haverá serviços degradados prestadores de cuidados aos utentes do pacote de saúde.
A contribuição financeira dos utentes aumentará.
A Melo Saúde continuará a registar resultados excepcionais.
Bruxelas elogiará a capacidade dos portugueses em desenvolver as reformas necessárias para o controlo da dívida pública.
A emigração portuguesa disparará em flecha.
O presidente da república, condecorará as personalidades mais notáveis da sociedade portuguesa: Luís Filipe Pereira, os administradores das SA, Luís Delgado, Gilberto Madaíl, Herman José, Lily Caneças...